No dia 14 de maio de 1995, eu e o carioca Mozart Catão nos tornamos os primeiros brasileiros a escalar o Everest, escrevendo uma das páginas mais importantes da história do nosso esporte. A escalada foi feita através da face norte do Everest, pelo Tibete.

Em 2005, para comemorar o décimo aniversário desta importante conquista, resolvi voltar para o Himalaia e escalar novamente o Everest, pela sua face sul, Nepal, tendo como companheiro o paranaense Irivan Gustavo Burda, amigo com o qual eu já havia escalado inúmeras montanhas.

Há boas diferenças em relação aos dois lados do Everest. O lado norte é mais duro, está mais exposto ao vento, a partir dos 7.600m se escala por um terreno pedregoso onde a neve nem sempre está presente, a encosta da montanha é mais inclinada e os acampamentos superiores estão a uma distância mais curta um do outro. O lado sul, Nepal, tem a temível Cascata de Gelo (um labirinto de gigantescos blocos de gelo que podem desabar a qualquer momento), a escalada é praticamente toda feita sobre um glaciar, onde existem infinitas gretas, e até os 8 mil metros se está relativamente protegido do vento graças às imensas encostas que estão ao redor. Os acampamentos superiores são bem mais longes um do outro, o Vale do Silêncio e o Flanco do Lhotse são bastante expostos às avalanches. É uma rota de escalada, portanto, mais perigosa que a tibetana. Colocando tudo na balança, e já tendo escalado cada uma das duas rotas, diria que cada uma tem as suas vantagens e desvantagens, mas que as duas têm um grau de dificuldade parecido e que, de longe, a escalada pelo Nepal é muito mais bonita.

Em 2005, o Irivan e eu ingressamos nas montanhas no dia 27 de março, através do tradicional vôo até Lukla, mas dali não seguimos a chamada “Estrada do Everest”, cujos 85 km geralmente são percorridos em 8 dias, e segue até o acampamento-base passando por Namche Bazar, a capital dos sherpas. Fizemos um caminho bem mais longo, um total de 185 km em 16 dias, percorrendo uma das regiões mais lindas do Himalaia, com o objetivo de chegar na base do Everest já adaptados ao ar rarefeito. Nesta caminhada atravessamos três grandes passos, aproveitamos para escalar o Mera Peak, de 6.476m de altitude, e fomos percebendo que a temporada que se aproximava seria atípica. Ainda que já tivesse iniciado a primavera, o ambiente era invernal, fazia muito frio, os rios e lagos estavam congelados.

Nosso primeiro acampamento na montanha foi a 4.000m de altitude, debaixo de uma nevasca. No dia seguinte cruzamos o passo Zatra La, de 4.600m, afundando-se na neve às vezes até o joelho, para ingressar no Vale Hinku, que nos levou até a base do Mera Peak. Foi um belo início para a nossa expedição, uma boa prova do que teríamos pela frente, assim fomos nos adaptando rapidamente aos rigores do Himalaia. Outro aspecto marcante foi o espírito de equipe dos nossos sherpas, doze carregadores, um cozinheiro e o Pemba, que também nos acompanharia na escalada do Everest, como carregador de altitude. Nossa unida e animada equipe de sherpas foi fundamental para realizarmos a longa travessia com sucesso até o Everest, uma caminhada pesada, com muitos obstáculos, destinada apenas para grupos experientes.

Logo que entramos no Vale Hinku começamos a ver pintado nas pedras a foice e o martelo, como também em inglês a frase “parte comunista do Nepal”, por isso não demorou muito para sermos abortados pelos guerrilheiros maoístas. O encontro foi pacífico, mas tivemos que fazer uma “doação” de 50 dólares cada um, para cada sherpa o exigido foi de 3 dólares. Os maoístas anotaram nossos nomes e ainda nos deram um recibo para que apresentássemos caso fossemos abordados por outros de seus companheiros.

A última localidade habitada que encontramos no Vale Hinku foi Khare (4.900m), de onde partimos para o a escalada do belo Mera Peak (6.476m), lá do alto tivemos o privilégio de avistar pela primeira vez o Everest (8.848m) e outras quatro montanhas com mais de oito mil metros de altitude, o Kanchenjunga (8.598m), o Makalu (8.463m), o Lhotse (8.501m) e o Cho Oyo (8.201m).

Depois de enfrentar muita neve e um vento gelado para escalar o Mera Peak, cruzamos o passo Mera La (5.350m) e entramos no selvagem Vale Hongku, totalmente desabitado, circundado por imponentes montanhas, algumas nunca escaladas. Neste vale, nosso último acampamento foi montado a 5.600m, de onde partimos bem cedo para cruzar o difícil passo Amphu Laptsa La (5.850m), praticamente uma verdadeira escalada, onde nossos carregadores tiveram que demonstrar muita coragem e perícia. A subida foi através de um glaciar com forte inclinação e no início da empinada descida tivemos que descer os carregadores pela corda, um por um, bem como toda a carga, num trecho de rocha vertical de aproximadamente 30 metros. Caminhamos então mais 5 horas e chegamos a Dingboche (4.350m), deixando para trás a solidão das montanhas, para novamente encontrar todo o movimento de alpinistas e trekkers na “Estrada do Everest”.

Chegamos ao acampamento-base do Everest no dia 11 de abril, os sherpas que nos haviam acompanhado foram embora e fomos recebidos pelo Janak, nosso novo cozinheiro, e pelo nosso outro carregador de altitude, o Dawa, irmão de Pemba. Eles também haviam recém chegado ao acampamento-base, assim trabalhamos juntos para montar, entre grandes pedras e sobre o gelo, várias barracas que nos serviriam para os próximos dois meses como cozinha, refeitório, dormitório, latrina e depósito de equipamentos.

O Irivan e eu começamos nossa primeira investida ao Everest no dia 14 de abril, quando deixamos o acampamento-base para passar uma noite no local do acampamento 1 (6.100m). Como já estávamos bem aclimatados, em razão da escalada do Mera Peak, no dia seguinte desmontamos nossa barraca e seguimos até os 6.400m, local do acampamento 2, desde então, em nossas próximas investidas, iríamos do base diretamente para este acampamento. O tempo estava bom, mas fazia muito frio e um vento bem forte. O movimento na montanha se limitava aos sherpas das outras 22 expedições que também queriam escalar o Everest pelo Nepal, cerca de cem deles subiam todos os dias trazendo grandes volumes de carga, raramente se avistava algum de seus clientes.

O Irivan e eu voltamos para o acampamento-base após alcançar os 6.700m de altitude e passar duas noites no acampamento 2, estávamos então satisfeitos com nosso progresso e começamos a imaginar que a escalada não demoraria muito para terminar se tudo continuasse como estava. Lentamente tudo foi mudando, o céu azul foi tomado pelas nuvens, o vento trouxe também muita neve e o frio parecia cada vez mais forte, chegando a fazer -14º C em nosso acampamento-base, algo fora do normal.

Nesse período de descanso chegaram ao acampamento-base nossos colegas de expedição, três espanhóis e um italiano, com seus respectivos carregadores de altitude. Quem formou o grupo foi a nossa agência em Kathmandu, como uma forma de dividir o custo da permissão da escalada cobrada pelo Governo do Nepal, nada mais nada menos do que 70 mil dólares. As agências reúnem os interessados, todos compartem os serviços do acampamento-base, mas a escalada é feita de forma independente. Os espanhóis eram Jorge Verdeguer White, 30, David Rosa Moñez, 31, Juan José Haya Sancho, 33 e o italiano se chamava Diego Zubani, 45, todos com experiência em outras montanhas com mais de 8 mil metros, muito simpáticos, bastante fortes, além do mais a companhia deles foi fundamental para amenizar a solidão dos longos dias de espera que tivemos no acampamento-base.

Quando o tempo deu uma leve melhora, o Irivan e eu convencemos nossos colegas de expedição a se mexerem. No dia 25 de abril eles subiram até o acampamento 1, para no dia seguinte nos encontrarem no acampamento 2. Nesta segunda investida o Irivan e eu fomos até o acampamento 3 (7.300m), aonde chegamos no meio de uma terrível tempestade, quase sem visibilidade e morrendo de frio. Por sorte, nossa barraca havia sido montada horas antes pelo nosso carregador de altitude mais forte, o Pemba. Nós nos jogamos dentro daquela pequena barraca, que parecia que ia escorregar para dentro de uma greta, e ali suportamos uma noite gelada, o termômetro marcou a mínima de -27º C e as violentas rajadas de vento fizeram tanto barulho ao se chocarem contra a barraca que não conseguimos dormir.

Descemos ao acampamento-base ainda com um tempo péssimo, mas dispostos a fazer uma tentativa de ataque ao cume na próxima investida, para evitar os riscos da Cascata de Gelo e o desgaste físico de cada subida e descida. O Irivan e eu tomamos esta decisão após uma sucessão de graves acontecimentos: duas mortes em apenas três dias, a de um canadense que teve um ataque cardíaco e a de um americano que acabou caindo em uma greta na Cascata de Gelo; e uma gigantesca avalanche que destruiu completamente o acampamento 1, destruindo mais de 50 barracas e deixando 5 alpinistas gravemente feridos.

O tempo não nos dava uma trégua, a neve e o vento insistiam em nos acompanhar e vi frustrada a minha idéia de chegar ao cume do Everest no dia 14 de maio, como havia acontecido dez anos antes. Foram 17 dias de espera no acampamento-base, até a previsão nos dar uma pequena esperança, mas nessas alturas muitos não acreditavam que haveria verdadeiras chances de concluir a escalada com sucesso e começaram a ir embora. As desistências também afetaram a nossa expedição, Diego Zubani foi embora alegando dores no peito.

Talvez 21 de maio fosse um bom dia de ataque ao cume, isso é o que nos indicava a previsão do tempo. O irivan e eu resolvemos apostar que sim, e partimos então no dia 18 do acampamento-base para o acampamento 2, no dia 19 subimos até o acampamento 3 e passamos toda a noite analisando se valia a pena ou não realizarmos um ataque ao cume. Tínhamos consciência de que teríamos apenas uma chance para isso, e, se caso não conseguíssemos chegar ao alto do Everest, teríamos que voltar para casa, pois estaríamos esgotados fisicamente e sem garrafas de oxigênio para uma nova investida. O que nos desanimava era o vento, sempre muito forte, deixando o característico rabo de nuvens a sota vento na pirâmide superior do Everest, algo assustador. Resolvemos descer.

A descida foi um tanto desmoralizadora, percebemos que cada vez menos barracas existiam no acampamento-base, muita gente estava indo embora. Para mim, o pior era que eu estava doente, uma infecção na garganta me perseguia desde que eu havia deixado o Brasil, fruto de chuvas que haviam me surpreendido durante meus treinamentos. Estava com amidalite e faringite que não se curavam naquele ambiente gelado e seco, fui obrigado a tomar quatro tipos de antibióticos, um mais forte do que o outro, o que havia arrasado a minha resistência, tanto que ao final da escalada eu estava com onze quilos a menos. Apesar de tudo, ainda tinha a esperança de finalizar a escalada com sucesso, na verdade, queria fazer uma tentativa, mas pelo menos com alguma possibilidade de êxito, por isso ficava horas plugado na Internet via satélite, analisando minuciosamente as previsões meteorológicas.

A oportunidade, ainda que tarde demais, parecia que estava surgindo. No final de maio os ventos diminuíram de intensidade, a temperatura estava cerca de dez graus mais alta do que no início da temporada e a neve parou de cair.

No dia 29 de maio o Irivan e eu deixamos o acampamento-base, acompanhados pelos espanhóis. Já próximos do acampamento 2, observamos mais de oitenta pessoas subindo do acampamento 3 para o acampamento 4, embora fosse possível perceber no cume do Everest um vento infernal. No dia 30 resolvemos descansar e ficamos acompanhando através do rádio o que acontecia na parte superior do Everest, com muita alegria recebemos a notícia que finalmente os primeiros alpinistas conseguiam chegar ao alto do Everest pelo Nepal naquela temporada, gritos surgiram por todo o acampamento 2, a felicidade contagiava a todos.

No dia 31 de maio subimos para nosso acampamento 3, neste mesmo dia nossos carregadores de altitude, Dawa e Pemba, subiram do acampamento-base para o acampamento 2. No dia 1º de junho, subimos até os 8 mil metros de altitude do acampamento 4, situado no Colo Sul, ainda sem o uso de garrafas de oxigênio.

Havia um vento muito forte e foi muito difícil montar o acampamento, a solução foi eu entrar dentro da barraca ainda com ela desmontada, para evitar que ela fosse carregada pelo vento, enquanto o Irivan, o Jorge, o David e o Haya lutavam contra as rajadas de vento para colocá-la em pé, fixando-a da melhor forma possível com grandes pedras. O irivan e eu repetimos a operação com a barraca dos espanhóis e depois nos refugiamos dentro da barraca, rezando para que nossos sherpas aparecessem logo, pois eles é quem estavam trazendo o nosso fogareiro.

Nós chegamos ao Colo Sul às 14 horas, o Pemba chegou por volta das 16 horas, mas o Dawa, que é quem trazia o nosso fogareiro, chegou apenas às 18 horas, muito tarde, só então começamos a derreter a neve para aliviar a nossa sede.

Às 21 horas começamos a nos preparar para o início do ataque final, embora pudéssemos perceber que o vento continuava soprando muito forte, facilmente por volta dos 50 Km/h. Às 22 horas em ponto já estávamos fora da barraca, prontos para iniciar a subida final rumo ao Topo do Mundo. Eu gritei no meio daquela escuridão chamando os espanhóis, apenas escutei a voz do Jorge falando “vão indo, está muito frio, a gente vai um pouco mais tarde”, logo pensei que eles não iriam muito longe pensando daquele jeito, e realmente não foram, infelizmente.

Realmente parecia insensato começar o ataque final ao Everest com aquele vento, mas o Pemba, que já havia escalado o Everest duas vezes, nos falou que assim que saíssemos do Colo Sul ficaríamos um pouco mais protegidos. Havia certamente uma grande lógica em seu argumento, mas foram pelo menos umas duas horas sendo açoitados em cheio pelo vento gelado, até entrarmos na grande encosta da pirâmide superior do Everest e ficarmos um pouco mais protegidos.

Superamos uma grande rampa de neve, de uns 200m de altura, logo um trecho de uns 100m de altura com ressaltes verticais de rocha, para novamente superar mais uma rampa de neve de outros 200m de altura. Era então 3 horas e 10 da madrugada e chegávamos ao alto do “Balcony” a exatos 8.504m de altitude, o mesmo local que eu havia alcançado em 1991. Ali nossa primeira garrafa de oxigênio estava chegando ao fim, então resolvemos trocar por uma cheia, deixando aquela reserva para ser usada na descida. O Pemba nos passou então duas garrafas, uma para mim e outra para o Irivan, aliviando o peso de sua mochila (cada garrafa pesa 3,5Kg).

Durante a subida até o Balcony, o Irivan e eu estávamos na frente, e imaginávamos que o Pemba e o Dawa estivessem juntos, logo atrás, mas ao perguntarmos para Pemba onde estava o seu irmão ele apenas disse que ele deveria estar chegando. Para não atrasar muito a subida, falamos para o Pemba esperar o Dawa e ajudá-lo, pois ele também estava trazendo outras duas garrafas de oxigênio, uma para mim e outra para o Irivan. Continuamos então a subida, já contemplando um lindo amanhecer. Pouco mais de uma hora depois, o Pemba voltou a nos encontrar, dizendo que o Dawa não estava vindo. Isso era grave, pois normalmente se usa duas garrafas de oxigênio na subida e uma na descida, ou seja, com já havíamos usado uma garrafa, estávamos apenas com uma outra cada um e não teríamos oxigênio para usar na descida. Pedi então para o Pemba nos ultrapassar e tentar conseguir oxigênio com seus colegas de outras expedições que estavam em nossa frente. Voltamos a nos encontrar no alto do Cume Sul, a 8.751m, aonde chegamos após enfrentar um trecho difícil e empinado de rocha de uns 50 metros de altura, ali o Pemba nos disse que nada havia conseguido. Olhamos nossa reserva de oxigênio, o meu estava quase acabando, o do Irivan apontava um pouco mais do que ¼.

Do Cume Sul do Everest avistamos o Cume Principal a uns mil metros de distância e a longa e exposta crista que nos levaria até lá. Eu estava super preocupado, se nosso oxigênio terminasse entraríamos em sérios apuros, mas o Pemba tentava me conformar dizendo que uma de suas garrafas ainda estava cheia. Outro grande e sério problema, é que eu estava sem ver absolutamente nada com o olho esquerdo, pois o vento gelado havia congelado o cristalino. Além do mais, o vento estava quase que insuportável, nos desequilibrado a cada momento. Pelo menos não era tão tarde, ainda 8 horas da manhã, tínhamos tempo, então continuamos, encontrando alguns alpinistas na contra mão que já voltavam do cume.

Após o Cume Sul tivemos que descer um pouco, algo com uns 15 metros, e enfrentar um trecho de uns 100 metros bem exposto, com precipícios dos dois lados, uma queda ali seria fatal. Logo chegamos aos pés do famoso Hillary Step, um salto de uns 10 metros de altura, subimos com muito cuidado, ajudados por um maço de cordas fixas bem velhas, dali ainda 100m de desnível nos separavam do cume. Eu seguia devagar, cada vez mais incomodado com meu olho esquerdo, cada vez mais cansado, cada vez mais preocupado com o término do oxigênio da minha garrafa. Mas logo vi que eu estava me aproximando do Topo do Mundo mais uma vez. Não faltava mais do que 50 metros, vi que sete pessoas estavam lá no alto, fui seguindo devagar, observando na minha frente o meu amigo Irivan realizando o seu grande sonho, chegando ao alto dos 8.848m de altitude da maior montanha do mundo. Fiquei emocionado e olhei para o relógio, eram 9h50, dez minutos depois eu me juntava a ele para um inesquecível e desejado abraço. Era o dia 2 de junho de 2005, pela segunda vez na história, brasileiros chegavam ao alto da maior montanha do mundo.

Não foi possível relaxar, o vento estava forte, gelado. Foi muito difícil fazer fotos e filmar. Disse então para o Pemba começar a descer e, como ele havia abandonado a mochila no meio do caminho, para ele não se esquecer de deixar a garrafa de oxigênio para mim. Nosso bravo carregador de altitude também estava exausto, e me perguntou várias vezes se realmente era preciso deixar a sua garrafa de oxigênio para mim.

Quando eu já estava pronto para descer, fui fazer as últimas imagens e quando comecei a filmar o lado tibetano, vi através da filmadora o Vitor Negrete se aproximando e falei para o Irivan a seguinte frase que ficou gravada: “Olha quem tá chegando ai!”. Foi outro momento emocionante, nos abraçamos os três no alto do Everest, que por alguns minutos se tornou verde amarelo.

Quando vi o Vitor, fui checar que horas eram e elevei um susto, já eram 11h50, haviam se passado duas horas como se fossem minutos. Abri então novamente o regulador da minha garrafa de oxigênio e comecei a descer. Depois da descida do Hillary Step, eu não conseguia dar mais do que 3 ou 4 passos e acabava desabando sobre a neve, sentindo um grande cansaço, foi então que constatei que minha garrafa de oxigênio estava vazia. Fui seguindo muito devagar, caindo outras inúmeras vezes por pura fraqueza, outras vezes porque o vento é quem me jogava no chão e também porque não conseguia enxergar direito. Meio me arrastando, consegui voltar até o alto do Cume Sul, onde vislumbrei fincada na neve a garrafa de oxigênio que havia sido deixada pelo Pemba, com a ajuda do Irivan, voltei a usar este importante recurso, sem o qual a maioria das pessoas não conseguiria chegar ao alto do Everest. O Irivan havia resolvido o seu problema trocando sua garrafa quase vazia por uma do Vitor que ainda estava pela metade, pois ele ainda tinha outra completamente cheia em sua mochila.

Durante a descida, eu não via a hora de voltar ao nosso acampamento 4, mas após alguns passos eu acabava caindo sobre a neve, sentindo a falta de ar e uma fraqueza generalizada. Meu equipamento de oxigênio estava bastante congelado e por isso não funcionava direito.  Felizmente, quando mais eu descia, mais me sentia melhor, mesmo assim chegamos às oito horas da noite de volta a nossa barraca que estava a 8 mil metros de altitude, muito tarde, depois de 22 horas de intensa atividade física e emocional. Havíamos conseguido regressar são e salvos, mas teríamos que continuar descendo no dia seguinte, portanto continuei apreensivo, pois tinha medo de acordar esgotado.

Acabei adormecendo sem me dar conta, com a caneca de chá vazia ainda em minha mão, e quando acordei percebi que a visão de meu olho esquerdo havia começado a voltar, foi um grande alívio. Pelo quinto dia consecutivo não comemos nada, na verdade não tínhamos fome, um sintoma normal em razão do ar rarefeito, além do mais, tudo que levávamos a boca nos dava certa ânsia de vômito, era melhor mesmo nem tentar comer.

O Irivan, meu companheiro, meu amigo, estava ali, sempre do meu lado, e continuamos a longa descida, rumo às altitudes menos elevadas, a uma concentração maior de oxigênio, rumo à vida.

Quando chegamos ao nosso acampamento 2, a 6.400m, finalmente foi possível aliviar uma sede imensa e beliscar algo de comida. Ali passamos uma noite estranha, eu e o Irivan não conseguimos dormir, talvez porque estávamos ao mesmo tempo muito cansados e muito emocionados.

No dia seguinte minha visão já estava quase que completamente recuperada, e, reunindo forças já não sei de onde, continuamos a descer, até chegarmos, exaustos, ao acampamento-base, a 5.400m, onde recebemos abraços emocionados dos nossos amigos espanhóis que também faziam parte da nossa expedição.

Sem sequer um dia de descanso, nos próximos dois dias caminhamos 85 km até Lukla (2.800m), de onde voamos para Kathmandu, aonde cheguei com 11 quilos a menos, com o corpo dolorido e extremamente cansado, apenas 4 dias depois de haver estado no alto do Everest. Após outros 4 dias, chegamos no Brasil, mais felizes do que nunca.

Assim foi a “Expedição 10 Anos do Brasil no Everest”, que teve um total de 83 dias e colocou pela segunda vez na história a Bandeira do Brasil no topo da maior montanha do mundo, cumprindo o seu objetivo de marcar o décimo aniversário da conquista brasileira do Everest.