A primeira vez que eu percorri o Caminho Inca, contornando o maciço do Salcantay até Machu Picchu, foi em 1985, algo que aconteceu outras 17 vezes, até eu chegar no topo do Everest, em 1995.

Com a escalada da maior montanha do mundo, deixei de trabalhar como guia no Caminho Inca e passei a ser requisitado como palestrante, foi algo espontâneo, as empresas começaram a me procurar, minha história e meu jeito de falar comoveram as pessoas, e minha palestra continua fazendo sucesso até hoje.

Já se passaram então 31 anos desde que eu me deparei com a imponência do Salcantay e cheguei pela primeira vez na Cidade Sagrada dos Incas. Nestas três décadas realizei várias expedições para entender a relação dos Incas com as montanhas, percorrendo antigos caminhos através de profundos vales que se desenvolvem em direção a Floresta Amazônica.

Neste cenário de paisagens exuberantes, ocorre uma sucessão de pisos ecológicos a partir do momento em que o ar vai se tornando seco e rarefeito, até o ambiente ser dominado por imponentes montanhas, consideradas deuses tutelares pelos Incas, que as chamavam de Apus.

Os Apus eram respeitados, temidos e glorificados pelos Incas. Talvez o mais importante tenha sido o Salcantay, com 6.271m de altitude, a maior montanha da Cordilheira de Vilcabamba, que se espreme entre os rios Apurimac e Urubamba (último reduto da civilização Inca, onde se encontram as ruínas de Machu Picchu, Choquequirao, Vitcos e Vilcabamba de la Vieja).

Sempre tive pelo Salcantay, “o mais selvagem” em quéchua, um sentimento de contemplação, admiração e medo. Em 2014 foi a primeira vez que eu tentei a sua escalada, junto com o americano Nathan Heald, que reside em Cusco. Tentamos abrir uma rota na virgem face oeste, chegamos até os 5.300m entre corredores verticais de gelo e blocos instáveis de rocha, desorientados pela forte neblina que sempre se aproxima da Floresta Amazônica.

Em 2015 voltamos ao Salcantay, com a estratégia de chegar ao seu cume pela face norte. A montanha estava carregada de neve e avalanches assustadoras nos levaram a decisão de abandonar a escalada apenas a 5.000m de altitude. Uma semana antes, Nathan e eu, junto com o peruano Edwin Espinoza Sotelo, havíamos escalado um Cinco Mil virgem, o Palcay (5.422m), de onde observamos que o Esporão Norte, no centro da face norte do Salcantay, era uma rota elegante e factível.

Este ano eu estava apreensivo, pois não pude estar antes no Peru, enquanto esperava o dia 14 de julho, quando conduziria a Tocha Olímpica em Curitiba, ao observar que o clima em Cusco estava espetacular, frio e seco, prometendo uma temporada de escalada perfeita.

Só pude então desembarcar em Cusco no dia 20 de julho e no dia 22 já estava em Soraypampa (3.880m), aos pés do majestoso Salcantay, buscando me aclimatar ao ar rarefeito o mais rápido possível.

No dia 25, com o Nathan e o Edwin, partimos rumo a base da face norte do Salcantay, já emocionados pelo tempo realmente espetacular.

No dia 26 montamos nosso acampamento-base (4.500m), no início do Esporão Norte. No dia seguinte fizemos um depósito de equipamentos a 5.000m, percebendo que o glaciar estava extremamente seco, quase sem neve em sua superfície.

No dia 28 chegamos até os 5.500m, onde montamos nosso acampamento alto. Foram momentos tensos! Passamos por cima de toneladas de blocos de gelo de recentes avalanches. Ao final da tarde, embora estivesse muito frio, cerca de -15oC, e uma brisa gelada, o tempo continuava estável, teríamos nossa chance de atacar o cume.

A meia noite e meia, Nathan, Edwin e eu, deixamos nosso acampamento seguidos por uma outra cordada formada pelos peruanos Marco Jurado, Macário Crispin e pelo suíço Florian Peter, que já nos acompanhavam desde o início.

Superamos as dificuldades com confiança, trechos verticais de gelo, travessias para evitar seracs ameaçadores que nos bombardeavam pedras de gelo (uma delas atingiu o Nathan que perdeu os sentidos por alguns minutos, o impacto foi tão violento que seu capacete quebrou!!!).

Já próximo das 6h da manhã, as dificuldades haviam ficado para baixo, estávamos próximos dos 6.000m de altitude, o crepúsculo veio renovar nossas esperanças com um amanhecer maravilhoso. Apesar do sol despontar no horizonte, o frio continuou forte, pois o vento não deu trégua.

E às 10h30 estávamos lá no alto do instável e pontiagudo cume do Salcantay (6.271m), completando a 23a ascensão da sua história, a 3a pelo Esporão Norte, formando parte de um grupo de aproximadamente 83 pessoas em todo o mundo que já realizaram a sua escalada com sucesso.

Sigo temendo e admirando o Apu Salcantay, ele apenas nos deixou passar!

Sigo temendo e amando a Deus, que Ele sempre esteja em nosso caminho!

A Expedição Vilcabamba continua, em breve mais novidades!

Muchos saludos,

Waldemar Niclevicz

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