Todo acidente que envolve muitas pessoas leva a uma confusão de informações, assim esperei alguns dias até tudo estar esclarecido, antes de me pronunciar em relação a recente avalanche no Manaslu.

O acidente teve origem após um imenso “serac” (bloco de gelo) ter se desprendido por volta das 04h45 (hora local) do dia 23 de setembro, domingo, provocando uma gigantesca avalanche, varrendo a rota de ascensão desde os 7.400m até os 6.300m de altitude.

Segundo Silvio “Gnaro” Mondinelli, alpinista italiano, o serac se desprendeu desde os 7.500 metros de altitude, e desencadeou uma avalanche de uns 600 metros de largura, ou seja, foi realmente um pedaço da montanha que veio abaixo.

Gnaro estava dormindo no acampamento 3, situado a 6.800m de altitude. Sua barraca foi carregada pela avalanche por cerca de 200m, mesmo assim ele e seu companheiro saíram ilesos, mas, infelizmente, seu outro colega italiano e um sherpa, que estavam na barraca ao lodo, não sobreviveram.

No acampamento 3 (6.800m) dormiam cerca de 35 alpinistas em 25 barracas, todas foram carregadas pela avalanche, que também atingiu 12 barracas do acampamento 2, situado a 6.300m de altitude, onde não houve nenhuma fatalidade.

Segundo a jornalista Miss Hawley, estavam no Manaslu 40 equipes, em um total de 232 alpinistas e 150 sherpas. O grande número de pessoas se deve ao fato da China estar dificultando a concessão da permissão para a escalada do Cho Oyo (8.201m), considerado a montanha de oito mil metros mais acessível, sendo a principal meta das expedições comerciais.

Durante a primavera no Himalaia (abril e maio) as expedições comerciais lotam o Everest, às vezes com quase duas mil pessoas (entre sherpas e clientes); e no outono (setembro e outubro) isso vinha acontecendo no Cho Oyo. Com a falta da concessão da permissão pelos chineses, as agências descobriram como alternativa o Manaslu, que começou a ser chamado nos últimos anos de “o novo Cho Oyo”, pois embora não seja uma montanha fácil, também não apresenta grandes dificuldades, sendo uma boa opção para quem quer adquirir mais experiência antes de enfrentar o Everest.

O problema é que o Manaslu, assim como o Annapurna e o Dhaulagiri, que se encontram a cerca de 100 km, está numa região sujeita a grandes precipitações, sendo mais indicado a ser enfrentado na primavera, quando a montanha geralmente tem menos neve, pois o inverno no Himalaia é sempre mais seco do que o verão (julho e agosto). No verão o monção (ventos úmidos) carrega as montanhas de neve, deixando o outono potencialmente perigoso. Mas na primavera, como já disse, as expedições comerciais estão com seus sherpas e guias atendendo seus clientes no Everest.

Eu estive este ano tentando escalar o Annapurna na primavera, mas era notável a grande quantidade de neve na montanha, fui envolvido literalmente por duas grandes avalanches, e por uma menor que caiu sobre o acampamento 3 (6.500m), destruindo barracas, mas sem grandes consequências. Minha intenção era ainda seguir para o Dhaulagiri, mas entendi que o risco de avalanches continuaria alto, assim resolvi voltar para casa. Dos alpinistas que continuaram no Annapurna, um deles acabou perdendo a vida, justamente vítima de uma avalanche. Em seguida, fui convidado para ir para o Dhaulagiri e para o Manaslu no outono, mas, entendendo que essas montanhas estariam ainda mais carregadas de neve após o monção, resolvi ficar no Brasil.

Apesar do provável excesso de neve na montanha, não quero dizer que houve negligência por parte das equipes que estavam no Manaslu, porque realmente é impossível prever quando haverá o desprendimento de um serac. Mas, sim, quando a montanha está mais carregada de neve, o risco de avalanches é maior.

Alguns podem se indignar com as agências por estarem expondo os seus clientes a temporadas potencialmente perigosas, mas infelizmente é impossível prever com tanta antecedência como será a próxima temporada. Cliente ou não, todo alpinista que quiser enfrentar um dos Oito Mil, começa a se organizar pelo menos com um ano de antecedência. Além do mais, cada um deve ter plena consciência dos riscos que se está assumindo.

Um fator que deve receber cada vez mais atenção é a rápida retração e derretimento dos glaciares, em razão do aquecimento global, o que vem tornando a escalada das altas montanhas algo cada vez mais arriscado. Cabe então sempre procurar a época mais adequada, e saber renunciar quando de fato se notar que as condições estão desfavoráveis.

Também vale a pena comentar que ainda era um pouco cedo para se ir tão alto no Manaslu. Geralmente durante o mês de outubro há menos neve e o clima é mais estável do que em setembro.

Além do Gnaro, que já voltou para a Itália, tenho outros amigos que ainda continuam no Manaslu, o brasileiro Manoel Morgado, o argentino Hernan Wilke e o equatoriano Santiago Quintero. Espero que avaliem a situação corretamente, e voltem para casa são e salvos.

Vítimas da avalanche: 4 franceses (Ludo Challeat, Fabrice Priez, Cathrine Ricard, Philippe Bos), 1 italiano (Alberto Magliano), 1 sherpa (Dawa Sherpa), 1 alemão (Cristine Mittermeyer), 1 espanhol (Martí Gasull) e 1 canadense (Dominique Ouimet). Estão desaparecidos: 2 franceses e 1 canadense. Que descansem em paz.

Namastê!