Uma hora da madrugada, a lua crescente se aproximava do horizonte, sua luz avermelhada ainda me permitia sentir calafrios ao observar o vazio abaixo. Eu estava encurralado sob um trecho negativo, de onde estalactites de puro gelo se estilhaçavam ao se desprenderem rumo a Nathan Heald, amigo americano que pacientemente me dava a segurança. Fui me jogando para cima, mas logo me vi sem nenhum apoio, afundando em uma neve esfarelenta sobre a Aresta Oeste do Pumasillo. Assustado com o abismo negro do outro lado, lentamente me arrastei para trás.

Sabíamos que todas as investidas anteriores haviam sido épicas, e a única aparente rota factível era a Aresta Oeste, atualmente impraticável, um caos de blocos de gelo que mal se equilibram no alto de uma fina lâmina de navalha que desafia a gravidade.

Apesar de a lua ter se posto e a escuridão nos envolvido completamente, Nathan seguiu o seu instinto e foi escalando rapidamente em direção ao cume, buscando outro caminho cerca de cem metros abaixo do alto da aresta, até chegarmos a um paredão vertical de gelo que nossas lanternas não permitiam observar o seu final. O gelo duro como pedra fez nosso ritmo diminuir, mas Nathan foi avançando, enquanto a inclinação se aproximava dos 90o. E então um grito, senti a corda esticar, equipamentos despencarem abaixo. Um pedaço de gelo havia se desprendido e meu amigo havia caído cerca de 8m. Nathan estava no escuro, havia perdido a sua lanterna, mas conseguiu se aproximar a um dos grampos onde logo nos reunimos. Sangue corria acima do seu olho direito, também havia machucado um dos braços e torcido o tornozelo esquerdo. O susto foi passando, e eu já pensando em descer, mas Nathan queria continuar.

Superar esses 100m verticais não foi fácil, mas conseguimos. Ao amanhecer estávamos no alto da Face Oeste, justamente no topo da Aresta Oeste, onde relaxamos um pouco em uma grande plataforma, observando a “garra do puma” (Pumasillo) ao fundo. O cume é impressionante, parece realmente uma pata de um puma, com seus dedos formados por gigantescos cogumelos de gelo. Superamos os três primeiros cogumelos, mas logo nos vimos cercados por abismos e paredes negativas de gelo. Nathan mancava, era hora de descer, infelizmente.

Descemos até o nosso acampamento alto (4.800m) sob ameaça de grandes pedras e pedaços de gelo que despencavam das alturas, sabendo que um dia voltaremos para tentar finalizar esta desafiadora escalada que surge na pouco explorada Cordilheira de Vilcabamba, que ainda preserva o mais puro estilo alpino exploratório, devido às poucas expedições que já decidiram enfrentar as suas selvagens montanhas.

É interessante observar o caminho que realizamos para chegar até o Pumasillo, cruzando o Passo Málaga (4.300m) e descendo até Santa Maria (1.100m), onde plantações de banana, café e abacaxi dominam a paisagem. De lá subimos o vale do rio Urubamba até Santa Teresa (1.400m), de onde continuamos subindo até o Passo Yanama (4.400m), para descer até o povoado de Yanama (3.500m) e finalmente ingressar nos domínios do Pumasillo. Desde Yanama chega-se em dois dias de caminhada até Choquequirao, o segundo centro arqueológico mais importante depois de Machu Picchu. Foram por esses caminhos que os Incas fugiram de Cusco para se refugiarem nos vales de Vilcabamba, em uma resistência que durou 32 anos até serem completamente derrotados pelos espanhóis.

De Santa Teresa existe uma estrada que em uma hora leva até a Hidroelétrica de Machu Picchu, de onde mochileiros de todas partes do mundo seguem até a Cidade Sagrada dos Incas em duas horas de caminhada, encontrando uma alternativa mais econômica do que o trem ou o clássico Caminho Inca (que atualmente tem a sua entrada diária limitada a 500 pessoas).

Quando voltar ao Brasil, logo que a Copa acabar, conto mais detalhes dessa fantástica região do Mundo Andino. Agora estamos partindo para a Cordilheira de Vilcanota, em busca de novos desafios.

Boas escaladas em sua vida! 

Super abraço,

Waldemar Niclevicz