País: Brasil, fronteira com a Venezuela.

Escalada em: 09 de abril de 2000.

Junto com: Franzoni e equipe.

Rota percorrida: Normal.

Dificuldade: F, fácil.

Tempo estimado: uma semana.

Época adequada: dezembro e janeiro.

Acesso: de Manaus, via aérea, até a cidade de São Gabriel da Cachoeira.

Aproximação: de São Gabriel da Cachoeira, três horas de carro até o Km 85, depois sete horas de barco até a Aldeia de Maturacá.

Equipamento necessário: completo de caminhada em floresta, recomendo o uso de barracas (e não apenas o uso de redes nos acampamentos).

A Escalada:

A escalada que fiz ao Pico da Neblina fez parte das comemorações dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil, por isso foi realizada em abril (mês do descobrimento). A iniciativa foi da Sociedade Horizonte Geográfico e contou com o apoio do Exército Brasileiro.

Abril é um dos meses mais chuvosos na região, isso foi uma dificuldade a mais, pois as chuvas foram constantes e lama não faltou pelo caminho. Vendo por outro lado, talvez tenha até sido uma vantagem, pois o calor estava suportável e a quantidade de mosquitos não chegou a assustar. Na época das secas, quando chove menos, de setembro a janeiro, o sol aparece com frequência, mas o calor e a proliferação de mosquistos pode fazer da caminhada uma verdadeira tortura.

Então, se um dia você quiser enfrentar a maior montanha do Brasil, vá muito bem preparado, quer seja para pegar muita chuva, mosquistos ou calor. Tirando isso, a aventura lembra muito as longas caminhadas pela Mata Atlântica, muito parecida como subir o Pico do Marumbi, o Pico do Paraná, ou até mesmo o Pico das Agulhas Negras em dia de chuva, coisa que eu já havia feito diversas vezes. O mais agradável é o contato com esta região remota do Brasil, com a própria exuberante Floresta Amazônica, com os índios e demais brasileiros que vivem por ali, enfrentando diariamente as intempéries que tanto assustam os turistas.

Em São Gabriel da Cachoeira, depois de voar mais de 900 km desde Manaus, sobre uma planície que parece não ter fim, já surgem as primeiras montanhas da Serra do Imeri ao longe. A visão é deslumbrante, e logo se começa a imaginar como serão aquelas elevações que surgem do meio de uma imensa floresta, rumo às alturas mais altas do Brasil.

O passo seguinte é chegar até a foz do Igarapé Tucano, um percurso de 305 km desde São Gabriel, isso se faz em 2 ou 3 dias. Primeiro é preciso seguir 85 km por uma estrada esburacada e lamacenta, até o igarapé Ia Mirim, cerca de 3 a 4 horas desde São Gabriel. Depois começa o percurso pelos rios, certamente o ponto mais pitoresco de toda a viagem. Através dos rios Ia Mirim, Ia e Cauaburi, corta-se a Floresta Amazônica com barcos de alumínio equipados com motor de popa, as chamadas “voadeiras”. É um espetáculo a parte observar a imagem das árvores refletindo num verdadeiro espelho d’água, enquanto a voadeira vai seguindo o contorno dos rios em suaves curvas a todo o momento. Fica-se ali sentado, dentro da voadeira, o dia inteiro. A chuva pode desabar sobre a sua cabeça por horas a fio, mas a expectativa de ter a primeira visão do Pico da Neblina faz com que os sentidos estejam sempre em alerta.

Nossa expedição teve uma parada estratégica no 5º Pelotão Especial de Fronteira, localizado as margens do Igarapé Maturacá, cerca de dez minutos rio acima da foz com o Cauaburi. Ali visitamos uma aldeia de índios Yanomamis, onde presenciamos o “Paricá”, espécie de cerimônia reservada apenas aos homens, onde um dos índios acaba inalando o pó de várias ervas. O “paricá” não é apenas inspirado, mas sim soprado para dentro das narinas por outro índio, através de um bambu que lembra uma zarabatana. Assim o índio, sob o efeito de alucinógenos, em transe, começa a entoar uma melodia e a dançar no meio de um amplo terreiro. O Yanomami faz dessa maneira sua adoração e seus pedidos aos deuses.

Fui deitar no alojamento do quartel, tentando compreender aquele comportamento dos Yanomamis brasileiros. A ansiedade de dar prosseguimento a expedição e o calor não me deixaram dormir. Como se não bastasse, às 3 da madrugada, um aguaceiro, como jamais havia visto, desabou sobre o telhado de zinco. Eu levantei imediatamente e fiquei parado na varanda, observando assustado aquela quantidade absurda de água que estava caindo. Era apenas um aviso que os próximos dias seriam molhados, muito molhados.

Às 5 horas da manhã todo estavam de pé, felizmente a chuva havia diminuído um pouco, assim ao amanhecer voltamos às voadeiras, para mais 3 horas e meia de rio, contra uma correnteza forte, que ameaçava virar o barco nas curvas. Fomos ganhando espaço com cuidado, logo abandonamos as águas do Cauaburi e entramos pelo Igarapé Tucano, que estava cheio, sufocado pela mata. Era preciso parar a todo instante para abrir o caminho com o facão, pois árvores estavam caídas sobre o leito do rio. Mas, enfim, avistamos uma trilha que subia pelo barranco do rio, era o início da nossa caminhada, 9 e meia da manhã, a 130 metros de altitude.

É importante entender uma coisa: se não estivesse chovendo, e se não fizesse tanto calor, a caminhada até os 2.000m de altitude seria tranquila, pois o aclive é suave, acentuando-se um pouco apenas no final. Depois, existe um trecho alagadiço, até os 2.300m, logo a subida íngreme até o cume. Nossa  situação, na realidade, foi bem mais complicada.

Logo após abandonarmos as voadeiras, pensei que caminharíamos por um terreno firme, pois o chão era pedregoso. Pois bem, logo na primeira descida o terreno estava completamente alagado, era um “igapó”, região temporariamente inundada devido ao aumento do nível dos rios. Como estávamos acompanhando de perto o curso do Igarapé Tucano, que estava muito cheio, todas as regiões baixas estavam inundadas. Às vezes estes igapós eram tão profundos que não dava pé e, o pior, tinham até 15 metros de largura. Nestes trechos, nos atrasamos muito. Era preciso ter muito cuidado. Os soldados improvisavam passarelas cortando árvores, na verdade um simples corrimão, onde nos agarrávamos com firmeza para não afundar totalmente na água embarrada. Chegamos então, encharcados, até a Cachoeira do Tucano, onde novamente o caminho atravessava o Igarapé Tucano, bem mais acima de onde havíamos abandonado as voadeiras. O rio estava com cerca de 20 metros de largura e assustava pela velocidade e volume de suas águas. Podia-se notar em sua margem, que uma grande árvore havia sido cortada com motoserra, para vencer este obstáculo. Mesmo assim o tronco não oferecia muita segurança, pois estava inclinado e molhado pela chuva. Após esta nervosa travessia, deixamos para trás as áreas inundadas e começamos a subir, subida leve, mas gradativa.

Chegamos às 3 da tarde no acampamento denominado “Bebedouro Velho”, a 400 metros de altitude. Estes lugares de acampamento são clareiras no meio da floresta abertas pelos garimpeiros, geralmente preparados para o pernoite, com estruturas de troncos cobertas por lonas plásticas, onde se pendura uma rede. Eu fui o único a levar uma barraca e, embora o peso seja maior, a vantagem sobre a rede é imensa. A noite seria das mais agradáveis, senão fosse uma onça que urrou em torno do nosso acampamento a madrugada toda.

Em nosso segundo dia, levantamos às 5 da manhã, pois queríamos alcançar o topo da Serra do Tucano. A manhã foi ensolarada e nos animou, assim atingimos o próximo local de acampamento, o chamado “Bebedouro Novo”, a 900 metros de altitude, em apenas 4 horas. Aproveitamos para tomar banho no rio e continuamos a nossa subida. Pela tarde, a chuva voltou com toda a sua intensidade. Chuva realmente abundante, um aguaceiro sem fim.

No topo da Serra do Tucano, a 2.000m de altitude, é sensível a mudança da vegetação. A paisagem passa a ser dominada por árvores menores e por bromélias e o chão é um lamaçal onde nos afundávamos até as canelas. Este é o início da chamada “Bacia de Gelo”, uma ampla depressão suspensa que se desenvolve até os 2.300m de altitude, como se fosse um gigantesco anfiteatro rodeado pelas montanhas. No passado, mais de mil garimpeiros tentavam a sorte neste lugar úmido e frio, hoje não existem mais do que 20. Foi então, num dos poucos garimpos que ainda existem por ali, que encontramos refúgio da chuva sob as lonas de plástico. Estávamos no Garimpo Tucano, a 2.100m de altitude, de onde seria nosso ataque final ao Pico da Neblina. A chuva se prolongou por toda a noite.

De manhã o tempo nos deu uma pequena trégua, as nuvens se dissiparam um pouco e conseguimos avistar o objetivo que dava sentido a toda a nossa aventura. O ponto culminante do Brasil aparecia pontiagudo bem ao fundo da paisagem e, em poucos segundos, estava novamente encoberto pela neblina. Começou a chover, cada vez mais forte. Mais uma vez era preciso ter paciência. O caminho, que era um verdadeiro atoleiro de barro, na parte superior tornou-se o leito de um pequeno córrego. A água se precipitava das encostas em pequenas cachoeiras. E foi assim, molhados até a alma, debaixo de uma chuva forte, que avistamos uma bandeira brasileira tremulando nas alturas da Amazônia, estávamos a 2.994m de altitude, no alto do Pico da Neblina, ponto culminante do Brasil.

O momento não permitia grandes celebrações. O vento soprava forte e todos, molhados, tremiam de frio. Rapidamente o Aspirante Franzoni comandou a troca oficial da Bandeira Brasileira, que é sempre mantida pelo Exército no alto do Pico da Neblina. Foi a nossa homenagem aos 500 Anos do Brasil. Para mim, especialmente, foi um honra. Não estava no alto da maior montanha do mundo, muito menos em um dos chamados Sete Cumes, mas estava, pela primeira vez, no alto da maior montanha do Brasil. Era o dia 9 de abril de 2000.

Todos desceram apressadamente fugindo das rajadas molhadas de vento. Lá em cima ficamos apenas eu e o Aspirante Franzoni. Montamos uma barraca bem no cume, na esperança que a chuva parasse e as nuvens nos permitissem contemplar um pouco da paisagem. Nosso desejo demorou a se realizar, mas se realizou. Passando das 17 horas, as nuvens se abriram e o sol tocou o nosso acampamento. Que visão maravilhosa, montanhas e mais montanhas por todos os lados e, entre elas, ao fundo, a floresta se estendendo rumo a Planície Amazônica.

No outro dia, ainda fomos até o Pico 31 de Março, situado a pouco mais de meia hora do topo do Neblina. Quando chegamos até lá, a chuva recomeçou. Voltamos então até o Pico da Neblina, desarmamos a barraca e, felizes, começamos a nossa descida no meio da chuva, entre cachoeiras, amassando o barro do caminho. Valeu a pena!

Gostaria de expressar meus mais sinceros agradecimentos ao 5º Batalhão de Infantaria de Selva, ao seu Comandante Cel Madeira, ao Sub Comandante Major Adelino, ao Capitião Ivaldo que comandou a operação desde Maturacá. Ao Aspirante Franzoni, que chefiou a tropa, formada pelos bravos soldados: Ten Miranda, Ten Freire, Sgt Frank, Sgt Freitas, Cb Almeida, Cb Luciano, Cb William e Cb Julio César. Ao Capitão Ridaulto, que me forneceu a maior parte das informações necessárias. A revista Horizonte Geográfico e ao Sivam.