Desde que assumi o desafio de escalar todos os Quatro Mil dos Alpes sabia que não seria fácil, afinal são 82 montanhas, que ao total só foram superadas por pouco mais de 50 pessoas até hoje. Existem algumas fáceis e super visitadas, mas muitas são bem difíceis e praticamente “esquecidas”. Um bom exemplo é a travessia Schreckhorn (4.078m) / Lauteraarhorn (4.042m), que fiz com o Vinicius Todero, que este ano só tinha sido percorrida por outras 4 cordadas, segundo o gestor do refugio Schreckhornhutte.

Outra montanha bem “esquecida” é o Les Droites (4.000m), que fica ao lado da famosa mas também pouco escalada Aiguille Verte (4.122m), assim como os seus satélites Grande Rocheuse (4.102m) e Aiguille du Jardin (4.035m). Vim para os Alpes este ano querendo escalar estes Quatro Mil o mais rápido possível, pois é preciso que haja uma neve consistente no fundo dos corredores que dão acesso a parte superior dessas montanhas, assim cheguei por aqui no dia 14 de junho, quando ainda havia neve, mas tivemos duas semanas de “canícula”, um calor muito além do normal, que chegou a 40ºC em cidades como Milano e Torino, o que não se repetiu em todo o verão.

Esse calor derreteu a neve tardia que havia caído pelos Alpes em abril e maio, já que no inverno nevou muito pouco. Nesse período sofremos com esta anormalidade nos afundando na neve e morrendo de calor no Oberland, Suíça.

Logo os parceiros do projeto foram se alternando, uns voltando para o Brasil, outros chegando. Eu sempre procurava fazer alguma escalada fácil com eles no início, para depois enfrentar algo mais desafiador, por isso não podia ir direto para o maciço da Verte, que também os afugentava por ser difícil e perigoso, ainda mais com pouca neve e com muito calor, algo que se acentuava a cada dia. Inevitavelmente estas escaladas foram ficando para o final.

Fui procurando garantir o sucesso em outros Quatro Mil pouco escalados, que também vão se tornando perigosos com o final da temporada, como o Picco Luigi Amedeo (4.460m)que escalei com a Daiane Luise. Talvez tenhamos sido os últimos da temporada a superar este difícil Quatro Mil, depois da nossa escalada recebemos a notícia do gestor do Refúgio Monzino, que pelo menos outras sete cordadas não conseguiram o sucesso naquele setor do Mont Blanc, devido a estar tudo seco (sem neve) e com muita pedra caindo.

Mas, enfim, depois de completar a escalada de 78 dos 82 Quatro Mil dos Alpes, chegava a hora de ir para o maciço da Verte, um pouco tardia, sem nenhuma dúvida. Preferi optar primeiro pela opção “mais fácil”, que seria o Les Droites, pois sabia que a Aiguille Verte em si ainda estava factível pela pouco usual Arete del Moine. Quando o Pedro Hauck e eu chegamos no Refugio Courvecle, base para todas as escaladas da Verte, fomos muito mal recebidos pelo gestor do refugio, que foi extremamente grosseiro, disse ser impossível a escalada do Les Droites, que muita pedra estava caindo, e que se realmente fossemos morreríamos. Não tinha como remediar a conversa, era tocar no assunto que ele aumentava o tom da voz e nos chamava de loucos dizendo que iriamos morrer, até que disse um NÃO definitivo, virou as costas e não quis mais falar com a gente. Situação pra lá de delicada!

Ali no refugio estava o amigo Mark Thomas, com quem eu havia escalado na Groenlândia, renomado guia de montanha galês, com quem desabafei. Ele conhece tudo por ali, e também me desaconselhou. Disse que eu até poderia optar por uma rota mais difícil, o que era a minha ideia, mas que seria obrigado a descer pela “normal” o que realmente não era factível devido às quedas de pedras.

É a neve congelada que segura as pedras, quando ela derrete totalmente, as pedras caem sem parar, o dia inteiro, algumas pequenas, outras gigantescas. É o quinto ano consecutivo que os Alpes são acometidos por invernos muito secos e verões extremamente quentes, suas montanhas estão literalmente se desmoronando, tornando o alpinismo algo cada vez mais perigoso.

Em condições normais, com boa quantidade de neve, zero térmico baixo (por volta dos 3.500m), a escalada das montanhas do maciço da Aiguille Verte não deixam de ser difíceis, mas são seguras. Isso geralmente acontece no mês de junho (desde que não haja canícula).

Assim, infelizmente, não vai ser possível completar a escalada de todos os Quatro Mil dos Alpes este ano, mesmo faltando apenas quatro montanhas. Poderia até escalar a Aiguille Verte (4.122m) pela Arete del Moine, fazer então do seu cume uma travessia até o Grande Rocheuse (4.102m) e a Aiguille du Jardin (4.035m), então voltar para o cume da Verte e descer pelo mesmo caminho, mas isso também está longe de ser o ideal, ainda mais nas condições atuais. Os corredores Whymper e Armand Charlet, que são os caminhos mais usados, estão absolutamente secos e impraticáveis.

Agradeço de coração aos amigos que compartilharam comigo as escaladas dos Quatro Mil este ano: José Luiz Hartmann (Chiquinho), Rogério Oliveira, Raul Barros Pardo (chileno), Florian Peter (suíço), Mirco Marchisio (italiano), Marcio Hoepers, Daiane Luise, Vinicius Todero e Pedro Hauck.

Agradeço a Audi Brasil pela parceria, pela privilegiada oportunidade de pilotar um Q8 entre muitas das mais lindas montanhas do mundo!

Agradeço a todos pela torcida, pelas inúmeras mensagem de incentivo! Tenham a certeza que em breve voltarei para completar com segurança a escalada de todos os 82 Quatro Mil, tornando o Brasil o primeiro país não europeu a superar todas as maiores montanhas dos Alpes!

Super abraço! Namastê!

Waldemar Niclevicz

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QUATRO MIL ESCALADOS:
em anos anteriores = 10
em 2018 = 37
em 2019 = 31
Total 78, faltam 4 !

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Os Quatro Mil dos Alpes que faltam ser escalados, todos no maciço do Mont Blanc:

  1. Les Droites (4.000m) França
  2. Aiguille Verte (4.122m) França
  3. Grande Rocheuse (4.102m) França
  4. Aiguille du Jardin (4.035m) França